quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

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História 18


O RATO
Era mais um voo transatlântico, desta vez entre Nova Iorque (JFK) e Lisboa tripulando um Lockheed 1011/500 Tristar. Avião cheio ou perto disso, cerca de 250 almas a bordo, para uma viagem que se esperava relativamente curta (6 horas de voo) graças a uma poderosa "corrente de jacto" (jet stream) que se anunciava para a nossa rota. Estas correntes ocorrem a grande altitude no Atlântico Norte (e noutras partes do globo) e têm a ver com o movimento de rotação da Terra, com a radiação solar e mais alguns factores que não são para aqui chamados. O que interessa é que por vezes os aviões que voam de Oeste para Leste (da América para a Europa) em latitudes quase polares podem beneficiar de um "empurrão" da ordem dos 200 km/h, facto que reduz substancialmente o tempo de voo e permite poupar toneladas de combustível em cada viagem.
Os procedimentos de partida e chegada na área de Nova Iorque obrigam a grande atenção e rigor. Naquela zona existem três grandes aeroportos internacionais, a saber: John Fitzgerald Kennedy (JFK), La Guardia (LGA) e Newark, (EWR), este situado do lado de lá do rio Hudson, em New Jersey. Em cada momento existem dezenas (centenas?) de aviões a voar sob o Controle de Tráfego Aéreo de Nova Iorque, que só com a ajuda de sofisticados computadores e equipamentos consegue gerir com segurança tão gigantesca operação. Não há margem para erro. Pilotos e controladores sabem que têm de cumprir rigorosamente os procedimentos de partida e chegada, caso contrário podem provocar o caos na organização do tráfego de toda aquela região. A cada minuto cada um destes três aeroportos gera uma aterragem e uma descolagem o que faz com que a coordenação de todos estes aviões seja uma tarefa a gerir com "pinças" e com o máximo rigor. Só para dar uma ideia posso dizer que nas aterragens, por exemplo, o tempo médio de ocupação da pista por cada avião anda à volta de 45 segundos. Se alguém demorar mais de um minuto entre o "touch down" e a saída da pista vai muito provavelmente impedir a aterragem do avião seguinte e lançar o caos no controle de aproximação.
Tudo isto para dizer que a nossa descolagem de JFK tinha decorrido sem sobressaltos naquela noite e estávamos concentrados nos procedimentos de navegação durante a fase de subida quando subitamente o Supervisor entrou pelo cockpit dentro e anunciou:
"Comandante, temos um problema".
"Que tipo de problema?", respondeu o Cte (eu era o copiloto desse serviço). "É grave?"
"Não sei se é grave, Comandante. Mas é um problema."
"Diga depressa, estamos muito ocupados".
"É que apareceu um rato na classe executiva".
"Um rato? Vivo?"
"Vivíssimo. Grande, gordo e anafado".
"E os passageiros?"
"Em pânico, principalmente as senhoras. Houve quem subisse para cima dos assentos".
E agora? Como se resolve isto? Na altura dei graças por não ser o Comandante do serviço pois esse teria que tomar uma decisão e todos sabíamos que a mesma não seria fácil.
Voltar para JFK estava fora de questão. Se o fizéssemos iríamos causar a maior confusão no controle de tráfego aéreo e teríamos que despejar vinte ou trinta toneladas de combustível antes da aterragem por razões de integridade estrutural do aparelho. Além disso o avião iria ficar imobilizado várias horas (dias?) até que o processo de desinfestação ficasse completo. Entretanto os passageiros teriam que ser encaminhados para vários hoteis e aí permanecerem até que tudo se resolvesse. Um pesadelo.
Que fazer então? Decidimos (decidiu o Cte) continuar a viagem com o rato gordo e anafado a bordo. Os passageiros iriam sofrer um bocado, principalmente os que pagaram uma pequena fortuna para viajar em classe executiva, mas não havia alternativa. A tripulação de cabina, comissários e assistentes de bordo, teria um papel fulcral no controle da situação procurando manter a calma entre os passageiros e, tanto quanto possível, tentando fazer alguma graça como caricato da situação.
Após a chegada a Lisboa o avião foi imediatamente entregue ao departamente de Manutenção e Engenharia da TAP para que se desse início ao processo de captura / destruição do indesejado viajante. Não apenas pelos incómodos que o rato gordo, "americano", pudesse causar mas principalmente para evitar os riscos associados à sua presença. É que este tipo de roedores adora alimentar-se de cabos eléctricos e outras iguarias em que o avião, qualquer avião, é fértil.
NOTA: A imagem que se junta é apenas ilustrativa. Esta (Cte Morais, Cop José Guedes e T/V R. Vaz) não é a tripulação do voo aqui descrito.

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